sexta-feira, março 05, 2004

Depois de 6 meses...a chuva lava minha alma

A chuva anunciou sua chegada com uma nuvem cinza, bem ranzinza. Estávamos descendo as ladeiras de Santa Teresa conversando, platicando…Carolita se mudou há pouco tempo para Santa e fala com carinho sobre o brilho e simplicidade do bairro.
De repente a chuva veio e com força descarregou tudo em cima da gente, das casas, dos carros, dos cachorros. As pessoas paravam e conversavam embaixo da marquise tagarelando absurdos do dia a dia.
- Eu gosto deste tipo de chuva. Aquela que fica em cima da gente nos seguindo, fininha, fininha, é muito civilizada. Esta é uma chuva visceral. Disse Carolita.
Nesta altura a chuva já tomava conta dos nossos corpos e as roupas estavam praticamente encharcadas. O guarda-chuva que ela trazia já tinha se tornado irrelevante.
Virando uma esquina daquelas de curvas bem fechadas que desenham o percurso até Santa avistamos um carro e imediatamente percebemos a possibilidade de uma carona já que o motorista estava sozinho. O engraçado é que nossos olhares se cruzaram e instantaneamente eu soube o que se passava na cabeça da Carol e na dele também: ele sentia que devia ajudar.
Entramos no carro e a viagem demorou o tempo dos comentários superficiais sobre a chuva. Descemos próximo a estação de metro e lá nos separamos. Carolita tinha uma promessa a cumprir. precisava comprar a camiseta do Flamengo, foi a promessa que fez depois que o time ganhou a final contra o fluminense, um clássico no maraca em meio ao sábado de carnaval carioca.
Eu estava indo pra casa. Decidi que iria saltar na estação do Largo do Machado e não no Catete, assim a chuva poderia demorar um pouquinho mais…esquisitices, já que a viagem demoraria apenas duas paradas, ou seja, não faria diferença nenhuma. Desci as escadas do metrô Glória e reparei num cara. Ele estava segurando uma mala de instrumento musical e olhava de um jeito meio de quem nunca tinha estado ali. Eu sentei na bancada que fica logo depois da escada e fiquei reparando nele enquanto seus olhos esbarraram no meu. Entramos no mesmo vagão, eu numa ponta e ele na outra. Em pé, ficamos desviando um olhar do outro.
Sai bem rapidinho e vi ele olhando para trás pra ver se eu ainda estava lá. Subi as escadas pensando na cena e logo vi que a chuva não tinha melhorado. Subi as escadas rolantes e me deparei com vendedores de guarda-chuvas. Espertos perceberam a possibilidade de fazer algum dinheiro no instante que a nuvem ranzinza avisava o dilúvio que chegava. Eu, parada na saída do metro junto aqueles que esperavam a chuva passar, fiquei a pensar que não tinha nem o dinheiro de comprar um guarda-chuva.
-cinco real, apenas cinco real o guarda-chuva.
Eu nem cinco real tinha. O senhor que vendia me alertou sobre minha bolsa aberta.
-jovem, olha a bolsa aberta. Tinha olhos azuis bem fortes.
-eu já ia comentar, tinha reparado. Disse o rapaz atrás de mim,
-de qualquer maneira, nem tenho dinheiro. Abri a carteira e encontrei 4 reais. – nem um guarda-chuva posso comprar!
O senhor de olhos azuis foi logo perguntar ao chefe se podia vender por 4 reais
-não posso não..o preço já tá bom. Disse o chefe. Ele havia comprado a mercadoria e chamado outro cara para vendê-la. Foi então que o rapaz atrás falou:
-toma aqui. Um real.
Olhei pra ele com agradecimento calado, sentido. O senhor de olhos azuis foi logo entrando na onda:
- Tá vendo! Tem sempre alguém pra nos ajudar. Eu sou espirita minha filha, sei que nada nos faltará, nem um pãozinho porque sempre alguém haverá de dividir. Essa terra é muito boa. Pra vc vê dizem que foi descoberta pelo Pedro Álvares Cabral mas não foi
- Ué? Se não foi por ele por quem foi? Pergunto eu.
- Minha querida, como se pode descobrir algo que já foi descoberto? Isso aqui era dos índios. Eu sempre digo aos alunos: Cabral não descobriu nada.
- O senhor é professor de história?
- Sou, sou sim..
- Vamô parar com essa conversa fiada e trabalhar! Gritou o chefe.
Eu fui embora com uma sensação muito estranha. Estranha por ser boa e ao mesmo tempo ruim…tem muita gente boa ainda no planeta, especialmente no Brasil. Mas o que um professor de história fazia na porta do metrô vendendo guarda-chuva?

Mas me senti feliz, estou de volta ao Brasil!