segunda-feira, agosto 30, 2004

Todas as paisagens possiveis

São tantas as paisagens possíveis! o mundo está cheio de possibilidades... para uma geminiana como eu então! existem muitos caminhos. a vida parece análise combinatória.

Isso tudo está muito vago

mas é que eles pareciam ver somente o feio e sujo. estavam todos cinzentos e mal-encarados. pareciam ratos infurnados num buraco reclamando da vida e remoendo o passado.
falavam de uma tal reforma. uma reforma que havia transformado a realidade. agora estava constantemente colorida, cheirosa como um buque de flores.

eles estavam fedorentos. um homem pedia compaixão pela morte marcada. a menina extravasava a dor pela indiferença da mãe. ela falava da ausência de amor incondicional, não sei se queria demonstrar a vontade de um colo sem julgamentos. os outros escutavam.

ele, o líder, sugava de todos toda a dor. parecia o mais angustiado. era contido. tinha os músculos retraídos. ali ele queria fazer os outros compartilharem de sua visão do mundo mas sua visão de mundo era outro mundo.

o outro lado. a porta que dá em nossos infernos. o lado escuro dentro de nós. onde guardamos o que rejeitamos em nossa personalidade. nossa feiura está guardada em gavetas escondidinhas em nossa mente. evitamos fazê-la transbordar. já é difícil ver nossa miséria imagine se deixar flagrar por ela diante dos outros?!
mas ele fazia questão de nos fazer exibir nossa própria miséria ! por que?

foi o que um deles perguntou. um cara meio desequilibrado em sua fala. parecia o vulnerável. tinha gestos meio trêmulos. ele sabia que existia a feiura mas não queria desejá-la. sentia inveja daqueles que não a enxergavam e, do porão de sua mente, no andar de baixo, olhava pela brecha da janela as pessoas andando lá em cima. estampavam sorrisos plásticos. estavam do outro lado da porta.

acho que quando saía do porão devia acumular mais inveja e alimentar seu rancor. o líder sabia disso. por isso, quando o rancoroso trouxe aquela mulher, ele não disse nada. talvez naquele momento o rancoroso estivesse colocando para fora sua feiura escondida. o medo de sua própria percepção da realidade.

aquela mulher não sabia daquela tal reforma, quando todos tinha se tornado iludidos, seres perfeitos. ele sentiu desejo pela ignorância daquela mulher. queria dela o desconhecimento da nova realidade. ela ainda era uma ser humana sabia que ela não havia tapado os buracos com sorrisos de plásticos .sua feiura ainda estava coexistindo com o belo e ela ainda não tinha sido forçada a enxergar o outro extremo de seu eu. tinha dormido para sempre e não conhecia aquela angústia. não sabia que os homens haviam se negado a imperfeição e que naquele hoje, achavam que eram seres absolutos, felizes absolutos. aqueles não seriam homens reais, seriam homens de plásticos e exatamente por isso os fedorentos, remanescentes de seres humanos, estavam ali, remoendo suas imperfeições falando de coisas feias da humanidade.

a reforma havia tingido a vida, tornado tudo constantemente belo, tudo estava insustentavelmente bonito. todas as pessoas eram impossivelmente boas.
o líder trazia a tona o passado. queria deixar claro que a reforma era vazia porque ninguém havia se reformado ao aprender com os próprios erros. para aprender é preciso não ignorá-los. por isso ele queria desenterrar os fantasmas para curar o futuro iludido.

mas o rancoroso não chegou a alcançar a mensagem de seu líder. ele compartilhava da mesma percepção mas não sabia lidar com ela. foi então que decidiu aliviar sua angústia. não queria mais ver aquilo que aqueles tb percebiam. pensou que destruindo o olhar daquele que o fazia enxergar sua miséria, poderia se esquivar de seu lado humano e assim se tornar mais um homem plástico.

assim arrancou os olhos daquele que via.

e aquele que via morreu vendo somente o lado escuro, nossos infernos.

não está vago não

eu digo que minha realidade é aquilo que vejo. meu mundo não é exatamente o mundo como ele é não tenho a pretensão da verdade. mas ele é meu temível inferno e minha almejável luz. vejo minha miséria com dignidade. não quero ser de plástico. mas busco o belo. por isso penso que sou daquelas pessoas que partem do sim. e do sim existem mil paisagens possíveis.